O passo começa o voo que vai do chão para o infinito. *Mário Lago

domingo, 28 de julho de 2013

Renova-te

Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica-se os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
Para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro. Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo.

*Cecília Meireles

Canção do vento e da minha vida.

Canção do vento e da minha vida
O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.
O vento varria as luzes,
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos. 
O vento varria os sonhos
E as amizades...
O vento varria as mulheres...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De afetos e de mulheres. 
O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo. 
Manuel Bandeira

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Jornada Mundial da Juventude de 2013


Trecho do discurso de chegada do Papa Francisco ao Brasil, no RJ, na Jornada Mundial da Juventude, em 2013.

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Vejo o povo gritando, querendo tocar ao menos a mão do Papa. Os jornalistas divulgam com tremenda admiração cada vez que ele fala com alguém, permitindo que alguém simples se aproxime. Fato que me fez pensar, "por que tanta admiração?" Não é uma atitude normal de quem é cristão? O próximo é seu irmão e os humildes são os que mais precisam de seu carinho e aconchego. Jesus não fez o mesmo? Embora seja uma presença importante aos olhos do mundo terreno, o Papa Francisco é um ser humano comum aos olhos de Deus, ainda que tenha uma missão muito especial diante da comunidade religiosa, orientar e cativar todos os que seguem a sua religião. Ele, certamente, entendeu tudo isso, pois age de forma natural, simples e amiga quando está entre todos. Suas palavras são singelas, propostas simples de amor e caridade, seu sorriso carismático toca os nossos corações, apelando o nosso lado mais humano. Que a sua vinda não seja esquecida e que todos nós possamos ajustar nosso comportamento para uma maior solidariedade com os mais necessitados. Que os governantes, os mais abastados e todos os religiosos não fiquem indiferentes aos que mais sofrem, os doentes, os pobres e os renegados. Que jamais nos esqueçamos que somos todos irmãos em Cristo!
"Fé, esperança e caridade!"

Ane S. Barros 
25.07.2013

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Cecília Meireles - Frase


Penso que sendo o céu redondo, um dia nos encontraremos...

*Cecília Meireles

Oficialmente Velho



Neste mês de dezembro completo 70 anos. Pelas condições brasileiras, me torno oficialmente velho. Isso não significa que estou próximo da morte, porque esta pode ocorrer já no primeiro momento da vida. Mas é uma outra etapa da vida, a derradeira. Esta possui uma dimensão biológica, pois irrefreavelmente o capital vital se esgota, nos debilitamos, perdemos o vigor dos sentidos e nos despedimos lentamente de todas as coisas. De fato, ficamos mais esquecidos, quem sabe, impacientes e sensíveis a gestos de bondade que nos levam facilmente às lágrimas,
Mas há um outro lado, mais instigante. A velhice é a última etapa do crescimento humano. Nós nascemos inteiros. Mas nunca estamos prontos. Temos que completar nosso nascimento ao construir a existência, ao abrir caminhos, ao superar dificuldades e ao moldar o nosso destino. Estamos sempre em gênese. Começamos a nascer, vamos nascendo em prestações ao longo da vida até acabar de nascer. Então entramos no silêncio. E morremos.
A velhice é a última chance que a vida nos oferece para acabar de crescer, madurar e finalmente terminar de nascer. Neste contexto, é iluminadora a palavra de São Paulo: “na medida em que definha o homem exterior, nesta mesma medida rejuvenesce o homem interior”(2Cor 4,16). A velhice é uma exigência do homem interior. Que é o homem interior? É o nosso eu profundo, o nosso modo singular de ser e de agir, a nossa marca registrada, a nossa identidade mais radical. Esta identidade devemos encará-la face a face.
Ela é pessoalíssima e se esconde atrás de muitas máscaras que a vida nos impõe. Pois a vida é um teatro no qual desempenhamos muitos papéis. Eu, por exemplo, fui franciscano, padre, agora leigo, teólogo, filósofo, professor, conferencista, escritor, editor, redator de algumas revistas, inquirido pelas autoridades doutrinais do Vaticano, submetido ao “silêncio obsequioso” e outros papéis mais. Mas há um momento em que tudo isso é relativizado e vira pura palha. Então deixamos o palco, tiramos as máscaras e nos perguntamos: Afinal, quem sou eu? Que sonhos me movem? Que anjos que habitam? Que demônios me atormentam? Qual é o meu lugar no desígnio do Mistério? Na medida em que tentamos, com temor e tremor, responder a estas indagações vem à lume o homem interior. A resposta nunca é conclusiva; perde-se para dentro do Inefável.
Este é o desafio para a etapa da velhice. Então nos damos conta de que precisaríamos muitos anos de velhice para encontrar a palavra essencial que nos defina. Surpresos, descobrimos que não vivemos porque simplesmente não morremos, mas vivemos para pensar, meditar, rasgar novos horizontes e criar sentidos de vida. Especialmente para tentar fazer uma síntese final, integrando as sombras, realimentando os sonhos que nos sustentaram por toda uma vida, reconciliando-nos com os fracassos e buscando sabedoria. É ilusão pensar que esta vem com a velhice. Ela vem do espírito com o qual vivenciamos a velhice como a etapa final do crescimento e de nosso verdadeiro Natal.
Por fim, importa preparar o grande Encontro. A vida não é estruturada para terminar na morte, mas para se transfigurar através da morte. Morremos para viver mais e melhor, para mergulhar na eternidade e encontrar a Última Realidade, feita de amor e de misericórdia. Aí saberemos finalmente quem somos e qual é o nosso verdadeiro nome.
Nutro o mesmo sentimento que o sábio do Antigo Testamento: “contemplo os dias passados e tenho os olhos voltados para a eternidade”.
Por fim, alimento dois sonhos, sonhos de um jovem ancião: o primeiro é escrever um livro só para Deus, se possível com o próprio sangue; e o segundo, impossível, mas bem expresso por Herzer, menina de rua e poetisa:”eu só queria nascer de novo, para me ensinar a viver”. Mas como isso é irrealizável, só me resta aprender na escola de Deus. Parafraseando Camões, completo: mais vivera se não fora, para tão longo ideal, tão curta a vida.




 *Leonardo Boff , em 2008 . 
( Teólogo, filósofo e escritor)